Olá, amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada no último dia de 2020 (31/12/2020), a MP 1.023/2020 que tratou sobre o requisito da renda familiar mensal para recebimento do benefício de amparo assistencial.
Vamos entender a mudança, mas, para isso, é necessário fazer uma breve revisão sobre o tema.
Benefício mensal de um salário mínimo para pessoa com deficiência ou idoso
A ideia de um benefício assistencial de prestação continuada a pessoas com deficiência e idosos carentes tem previsão na própria Constituição Federal que, em seu art. 203, V, estabelece:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(…)
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meiosde prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A fim de dar cumprimento ao comando constitucional, foi editada a Lei nº 8.742/93 que, em seus arts. 20 a 21-A, disciplinou como seria pago esse benefício.
Nomenclatura
O art. 20 da Lei nº 8.742/93 denomina esse direito de “Benefício de Prestação Continuada”. Ele também pode ser chamado pelos seguintes sinônimos: “Amparo Assistencial”, “Benefício Assistencial” ou “LOAS”.
Em que consiste esse benefício:
Pagamento de um salário-mínimo por mês | • à pessoa com deficiência; ou | Desde que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
• ao idoso com 65 anos ou mais. |
Para receber esse benefício, é necessário que a pessoa contribua ou tenha contribuído para a seguridade social?
NÃO. Trata-se de um benefício de assistência social, que será prestado a quem dele necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. A assistência social é caracterizada por ser um sistema não-contributivo, ou seja, é prestada independentemente de contribuição.
Quem administra e concede esse benefício?
Apesar de o LOAS não ser um benefício previdenciário, mas sim assistencial, ele é concedido e administrado pelo INSS. Vale ressaltar, no entanto, que os recursos necessários ao seu pagamento são fornecidos pela União (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93).
Assim, a competência para julgar ações que discutam esse benefício é da Justiça Federal.
Vimos acima que a CF/88 afirma que só receberão o benefício as pessoas “que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. Existe algum critério na Lei para definir isso?
Antes da Lei nº 13.981/2020, a Lei nº 8.742/93 previa o seguinte:
Art. 20 (…)
- 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
O STF, no entanto, ao analisar esse dispositivo, afirmou que ele não era absoluto:
Em 2013, o Plenário da Corte declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (sem pronúncia de nulidade) por considerar que esse critério estava defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
O STF afirmou que, para aferir que o idoso ou deficiente não tem meios de se manter, o juiz está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo previsto no § 3º do art. 20.
O Min. Gilmar Mendes afirmou que “a economia brasileira mudou completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico e financeiro. A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na distribuição de renda”. Tais modificações proporcionaram que fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais que podem ser “mais generosos” que o parâmetro de 1/4 do salário mínimo mencionado no § 3º do art. 20 acima referido.
O Relator esclareceu que, atualmente, os programas de assistência social no Brasil utilizam o valor de 1/2 salário mínimo como referencial econômico para a concessão de benefícios. Ele ressaltou que este é um indicador bastante razoável e que, portanto, o critério de 1/4 do salário mínimo utilizado pela LOAS está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias.
STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013 (Info 702).
Esse foi também o entendimento do STJ:
(…) A Terceira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC/1973, firmou a compreensão de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo – previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 – não é o único parâmetro para aferir hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova.
STJ. 2ª Turma. REsp 1797465/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 21/03/2019.
O legislador, de forma acertada, encampou o entendimento jurisprudencial acima explicado e, por meio da Lei nº 13.146/2015, inseriu o § 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93 prevendo o seguinte:
Art. 20 (…)
- 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
O que fez a Lei nº 13.981/2020 (publicada em 24/03/2020)?
Atualizou o § 3º do art. 20, aumentando a renda mensal per capita de 1/4 para 1/2 do salário mínimo:
LEI Nº 8.742/93 | |
Antes da Lei 13.981/2020 | Depois da Lei 13.981/2020 |
Art. 20 (…)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. |
Art. 20 (…)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. |
Vale ressaltar que o projeto que deu origem à Lei nº 13.981/2020 havia sido vetado pelo Presidente da República, mas o veto foi derrubado e a Lei foi promulgada pelo Congresso Nacional, entrando em vigor no dia 24/03/2020 (data de sua publicação).
Ocorre que a confusão não acabou aí.
No dia 02/04/2020 foi publicada a Lei nº 13.982/2020, que alterou novamente o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93.
Vamos entender.
O que previa o projeto aprovado que deu origem à Lei nº 13.982/2020?
- 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:
I – igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020;
II – igual ou inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo, a partir de 1º de janeiro de 2021.
Ocorre que esse inciso II foi vetado pelo Presidente da República. Logo, ficou só a redação do inciso I, com o critério de 1/4 do salário-mínimo e prazo final em 31/12/2020.
Vejamos a evolução histórica:
LEI 8.742/93
Critério objetivo de miserabilidade para fins de recebimento do BPC |
||
Redação original
da Lei 8.742/93 |
Redação dada pela
Lei 13.981/2020 |
Redação dada pela
Lei 13.982/2020 |
Renda mensal per capita
inferior a 1/4 (um quarto) do SM |
Renda mensal per capita inferior a 1/2 (meio) SM | Renda mensal per capita
igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do SM até 31/12/2020 |
MP 1.023/2020
A MP 1.023/2020 acrescentou novo capítulo a esse enredo, tendo alterado a redação do inciso I do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 para dizer que:
- considera-se miserável, para fins do amparo assistencial, quem possuir renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo (se for igual a 1/4, não tem mais direito ao benefício);
- esse critério de 1/4 deve ser aplicado de forma indefinida (não apenas até 31/12/2020).
Essa é a redação atual do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93:
Art. 20. (…)
- 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:
I – inferior a um quarto do salário mínimo;
II – (VETADO).
Vejamos a evolução histórica atualizada sobre o tema:
LEI 8.742/93
Critério objetivo de miserabilidade para fins de recebimento do BPC |
|||
Redação original
da Lei 8.742/93 |
Redação dada pela
Lei 13.981/2020 |
Redação dada pela
Lei 13.982/2020 |
Redação dada pela
MP 1023/2020 |
Renda mensal per capitainferior a 1/4 (um quarto) do SM | Renda mensal per capitainferior a 1/2 (meio) SM | Renda mensal per capitaigual ou inferior a 1/4 (um quarto) do SM até 31/12/2020 | Renda mensal per capitainferior a
1/4 (um quarto) do SM (sem termo final) |
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
|
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/2 (meio) salário-mínimo. | § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:
I – igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; II – (VETADO). |
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja:
I – inferior a um quarto do salário mínimo;
II – (VETADO). |
O que se entende por renda familiar mensal per capita? Como isso é calculado?
Normalmente, um assistente social vai até a residência da pessoa que está requerendo o benefício e faz entrevistas com ela e os demais moradores da casa, indagando sobre as fontes de renda de cada, verificando as condições estruturais do lar, os móveis e eletrodomésticos existentes no local etc.
Após isso, é elaborado um laudo social.
A renda familiar mensal per capita é calculada da seguinte forma: soma-se todos os rendimentos dos membros da família que moram na mesma casa que o requerente do benefício e depois divide-se esse valor pelo número de familiares (incluindo o requerente). Ex.: Carla (pessoa com deficiência) mora com seus pais (João e Maria) e mais um irmão (Lucas). João e Maria trabalham e ganham um salário mínimo, cada. Cálculo da renda mensal per capita: 2 salários mínimos divididos por 4 pessoas = 2:4. Logo, a renda mensal per capita será igual a 1/2 do salário mínimo.
O que se entende por família?
Para os fins da renda familiar do LOAS, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º).
Exceção Covid-19
O art. 20-A da Lei nº 8.742/93, incluído pela Lei nº 13.982/2020, prevê que o critério da renda mensal pode ser ampliado para 1/2 do SM no período de calamidade do Covid-19.
Em outras palavras, o art. 20-A afirma que, durante o período de pandemia do Covid-19, o INSS poderá conceder o BPC mesmo que fique demonstrado que a renda mensal per capita é superior a 1/4 do salário-mínimo, desde que seja de até 1/2 salário-mínimo e se cumpram determinados requisitos:
Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo.
O regulamento irá definir como será feita essa ampliação, considerando-se alguns fatores previstos nos parágrafos do art. 20-A.
Considerações finais
Vale ressaltar que esse critério de 1/4 ou de 1/2 vincula, quando muito, apenas o INSS na concessão administrativa do benefício. Isso porque, segundo decidiu o STF, o Poder Judiciário, quando analisa a possibilidade ou não de concessão judicial do BPC está livre para se valer de outros parâmetros, não estando vinculado ao critério da renda per capita inferior a 1/4 (ou 1/2) do salário-mínimo previsto na Lei (STF. Plenário. RE 567985/MT e RE 580963/PR, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgados em 17 e 18/4/2013).
Márcio André Lopes Cavalcante
Juiz Federal
Fonte: Dizer o Direito